domingo, 16 de março de 2008

O sentido do Nordeste

O SENTIDO DO NORDESTE
Manuel Correia de Andrade

O Nordeste e a Amazônia são as duas regiões brasileiras mais discutidas, não só na mídia como nos meios acadêmicos. O fato talvez se deva a essas regiões serem relativamente bem caracterizadas, e as mais atrasadas e pobres do país.
No conjunto brasileiro, o Sudoeste, onde se situam os três principais estados - São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais - , se destaca por ser a mais rica e a mais dinâmica; o Sul, com uma formação bem diversa das do resto do país, com população em grande parte oriunda das migrações dos séculos XIX e XX, tem uma economia relativamente equilibrada, e o Centro-Oeste, ainda em povoamento, são menos alvo da curiosidade nacional.
No caso do Nordeste, são abordadas sérias questões que chegam até a colocar em dúvida a sua existência e a sua origem. Assim, para os geógrafos, o Nordeste se caracteriza por ser um território nacional onde, em uma grande porção do mesmo, domina um clima semi-árido e árido, cercada por uma periferia úmida e semi-úmida. Oficialmente, ela é formada por nove estados - Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia -, mas para efeito de ação política do Banco do Nordeste e da SUDENE, hoje extinta, ela compreende também uma grande porção do norte de Minas Gerais.
Levando-se em conta as características clássicas de uma região geográfica, firmadas no princípio da existência de domínios físicos - estrutura geológica, relevo, clima e hidrografia -, do meio biológico - vegetação e fauna - e da organização do espaço pela ação do homem, o Nordeste oficial extrapola o território do Nordeste real. Como já salientamos, na década de 70, no livro Paisagens e Problemas do Brasil, teríamos que admitir que o Maranhão e grande parte do Piauí não seriam nordestinos, mas formariam uma outra região geográfica que poderia ser chamada de Meio-Norte, região de transição entre a Amazônia e o Nordeste. Basta que se conheça o Maranhão para sentir muito mais semelhança entre ele, com a sua abundância d'água e com a presença da floresta pré-amazônica, e a Amazônia; para sentir que ele é bem diferente do Nordeste. Os seus rios caudalosos, as grandes inundações ocorridas nas enchentes, que duram meses, como nos campos de perises e a importância da economia extrativista, para caracterizá-lo como quase amazônico. Por sua vez, na porção meridional do Maranhão e do Piauí, a grande extensão das chapadas, o domínio das associações vegetais, típicas dos cerrados, e das palmeiras, o aproximam do Centro-Oeste.
No sul da Bahia, as antigas capitanias de Ilhéus e de Porto Seguro pouco têm a ver com o Nordeste, sobretudo na porção oriental, que foi, no passado, coberta por espessa floresta, semelhante à amazônica, com chuvas muito abundantes e uma curta estação seca que favoreceu o desenvolvimento da cultura do cacau. São bem mais Sudeste do que Nordeste.
Ocorre, porém, que sendo o Nordeste pobre e sujeito a secas periódicas, passou-se a identificá-lo por essas características e as suas crises climáticas passaram a ser apontadas como causas únicas da sua pobreza; generalizou-se a idéia de que a pobreza da região era um fator natural, o que beneficiava os grupos sociais dominantes, que se aproveitavam desta idéia para tirar proveito dos problemas causados pelas secas. Daí Antônio Callado ter apelidado setores da elite nordestina como de "industriais da seca".
Estudiosos mais abstratos em seu pensamento, como os geógrafos chamados "da percepção", que não aceitam a objetividade de certos conceitos, evoluem no sentido de afirmar que não existem regiões e que elas são apenas um produto da percepção, uma produção psicológica. Entre os sociólogos e economistas existem os que afirmam que o capitalismo anula as diversificações regionais e que a região é uma categoria morta.
Há, ainda, os mais radicais que afirmam ser o Nordeste um produto da Revolução de 30, criado como forma de pressão dos grupos dominantes, sequiosos por recursos; isto porque antes não se falava em Nordeste, e o país era dividido apenas em duas regiões: a Norte e a Sul. O Nordeste seria apenas Norte. Ao fazerem tal afirmação, os seus partidários admitiram, naturalmente, que a região era uma realidade imutável, esquecendo que na sua formação havia também a contribuição do homem, organizando o espaço geográfico; esquecendo que nada é imutável e que há até transformações dos domínios físicos e do meio biológico, como se observa atualmente com as mudanças climáticas. Esqueciam também que o conhecimento científico evolui, muda, trazendo modificações conceituais; daí não termos dúvidas da existência do Nordeste como região, ocupando um espaço no território brasileiro e, naturalmente, sofrendo transformações a curto e longo prazos.

Fonte: http://www.fundaj.gov.br/observanordeste/obed001c.html

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